21/07/2011 VALOR ECONÔMICO
Com mais dados e gráficos, essa foi a base de uma apresentação sobre o mercado brasileiro que fiz a pedido da organização do Wines of Chile durante o concurso de vinhos chilenos no começo deste ano. Os números extraídos de um estudo desenvolvido pelo Centro de Políticas Sociais da FGV-Rio mostravam que a classe C representava 37% da população em 2002, tendo passado a 50% em 2009 e devendo alcançar cerca de 58% em 2014, o que representa, aproximadamente, 115 milhões de pessoas. Crescimento significativo também deverá ter o conjunto formado pelas classes A e B, que deve passar de 20 milhões em 2009 para algo em torno de 31 milhões num período de cinco anos.
Nessa altura já se percebia um sorriso e um esfregar de mãos dos mais de 400 produtores chilenos presentes no salão, além de olhares surpresos dos jornalistas internacionais, companheiros de júri do concurso, com o mercado potencial de vinho no Brasil. A tela seguinte da apresentação, no entanto, tinha apenas um "but..." (porém...) para emendar com "The greatest obstacle to increase the wine consumption: the Government" (o maior obstáculo para o aumento do consumo de vinho: o Governo). Como subtítulo: "in Brazil, wine is considered superfluous, not part of the requirements, or even more, the eating habits of the people, high taxes" (no Brasil, vinho é considerado supérfluo, não faz parte das necessidades, ou mais ainda, dos hábitos alimentares da população, pelas altas taxas). Enquanto na França, Espanha e vários outros países, como o próprio Chile e Argentina, o vinho é considerado complemento alimentar, no Brasil ele sofre tratamento tão duro quanto produtos nocivos à saúde e, pasmem, de armas.
Vinha a seguir uma explicação das taxas que incidem sobre a importação de vinhos no Brasil, que fazem com que uma garrafa comprada pelo importador junto ao produtor tenha seu preço ao consumidor multiplicado por seis ou sete - olhos esbugalhados na plateia. Cabe ressaltar que para compor os números apresentados na ocasião me vali de informações junto a importadores, advogados tributaristas e dados passados por pessoas ligadas às associações que reúnem as empresas do setor, ABBA (Associação Brasileira dos Exportadores e Importadores de Alimentos e Bebidas) e Abrabe (Associação Brasileira de Bebidas).
Partindo de um preço base fictício de dez, num primeiro momento o vinho, depois de nacionalizado, sem maiores entraves, passa a valer em torno de 25 (150% de taxas e impostos) - procedente do Mercosul é isento do imposto de importação de 27%, mantém IPI, fretes terrestres e marítimo, taxas aeroportuárias, PIS/Cofins e, sobre todas elas somadas, 25% de ICMS -, com alguma variação em função do custo (vinhos baratos mais do que os caros), do gênero (espumantes pagam mais), do porto de desembarque (o de Santos é o mais alto), entre outras variáveis. A um preço de venda de 60, que daria o fator multiplicador seis acima citado, incide os mesmos impostos mais a diferença de ICMS depois de nacionalizado (25% sobre 35), o que no total pode representar 60% do preço da garrafa (!). Do que sobra, 40%, cabe ao importador pagar, em sua grande maioria antes de vender, o produtor e os custos operacionais.
Me lembro de Adolar Hermann, dono da Decanter e homem unanimemente respeitado, dizer numa mesa redonda da Expovinis há dois anos que o lucro líquido de qualquer empresa idônea do setor fica entre 10% e 15%, no máximo. Convenhamos que não é nenhum "negócio da China", depois de bancar todos estes custos e arcar com o risco da empreitada. Convencidos disso, as questões que me foram colocadas pelos produtores chilenos na época e que continuam sendo feitas por aqueles que me perguntam sobre o potencial do mercado brasileiro é se não há alguma maneira de o governo rever essa política. Acredito, infelizmente, que só se for em função de possíveis acordos comerciais com outros países. O que, aliás, a Índia está fazendo agora.
Internamente, é muito pouco provável qualquer mudança, até porque há interesses contrários em jogo. Não só dos produtores brasileiros - ainda que o vinho nacional também seja altamente taxado, e uma redução nos impostos fosse benéfica -, mas também por questões políticas, como ficou provado há alguns anos com o veto do Governo gaúcho à votação da Assembleia do Rio Grande do Sul para baixar o ICMS no Estado, temendo reações contrárias por parte, segundo consta, dos que consideravam a medida um incentivo ao alcoolismo.
É de se perguntar se estava enganado Thomas Jefferson, terceiro presidente e personagem importante da história americana, que dizia que consumir vinho era um hábito diário indispensável à saúde e defendia isenção de impostos para que o povo tivesse acesso à bebida. E declarou que "nenhuma nação é ébria onde o vinho é barato; e não é sóbria a nação em que a falta de gosto pelo vinho faz com que destilados ardentes se tornem a bebida mais popular. Eis, na verdade, o único antídoto para o veneno do whisky". Para a pinga e para a cerveja também.
Semana que vem tem mais um capítulo desta malfadada novela.