06/07/2011 ZH
Ao aprovar ontem na Assembleia uma lei que permite estrangeiros no serviço público – eles poderão fazer concursos ou assumir cargos em comissão –, o governador Tarso Genro pretende qualificar as relações internacionais, suprir carências de mão de obra e emplacar um novo discurso: a valorização daqueles que escolheram o Estado para viver. No parlamento, parte da oposição apontou críticas.
Assessores e secretários se divertiam nos corredores do Palácio Piratini, dizendo que Tarso Genro agora quer contratar como ajudante Cesare Battisti – o ex-ativista italiano que deve a vida ao governador.
Era brincadeira, mas Tarso bem que poderia: a pedido dele, a Assembleia Legislativa aprovou ontem, por 31 votos a 18, o projeto de lei que libera estrangeiros para serem funcionários públicos do Rio Grande do Sul.
Até o governador sancionar o texto, o que deve ocorrer esta semana, a contratação de estrangeiros é proibida no poder público gaúcho. A não ser que o aspirante à vaga seja naturalizado no Brasil. Faltava regulamentar um artigo da Constituição e alterar o estatuto do servidor público, uma iniciativa recebida com indignação por opositores na sessão parlamentar de ontem.
Chefe da Casa Civil, Carlos Pestana disse que a ideia é fortalecer mecanismos para atrair investimentos, melhorar as relações internacionais – e daí partiu a piada com Battisti, que conseguiu guarida política no Brasil quando Tarso era o ministro da Justiça do governo Lula. Mas há outras motivações que estimularam o governo.
A ideia da nova lei surgiu quando o Piratini tentou contratar gente de fora e, em seguida, esbarrou em impedimentos legais. Tarso contou entre assessores que a Secretaria de Economia Solidária queria um uruguaio. O chefe de gabinete do governador, Vinícius Wu, lembrou que o Brasil tem carência de mão de obra na indústria naval, um setor estratégico para o Piratini.
– Em uma economia globalizada, precisamos estar preparados – afirmou Wu.
Capital paulista tem lei idêntica desde 2002
Wu quis dizer que o Estado, refém da legislação atual, poderia perder “cérebros” importantes para seu próprio desenvolvimento. E afirmou, sem especificar como, que o projeto beneficiaria municípios da Fronteira. Sabe-se que naquela região há dificuldade para manter profissionais como médicos, por exemplo, que preferem atuar em zonas mais centrais ou próximas da Capital.
Os tais cérebros, na interpretação de Tarso, podem estar sendo sugados por outros locais onde a legislação é mais transigente – caso da capital paulista, onde em 2002 a então prefeita, Marta Suplicy (PT), aprovou uma lei idêntica. Até o texto da versão gaúcha é copiado numa série de trechos.
Diante dessas necessidades que envolvem mercado e trabalho, o Piratini aproveitou para construir um discurso mais social, de valorização dos estrangeiros. A nova legislação seria uma forma de acolher com maior força aqueles que, mesmo vindo longe, escolheram o Rio Grande como sua terra.
– Temos que manter essa ideia também. É algo que se debate muito na Europa, onde os imigrantes acabam discriminados – compara Pestana.
Mas o próprio chefe da Casa Civil expôs uma contradição. Embora a lei diga explicitamente que os estrangeiros participarão de concursos públicos “em igualdade de condições” e sem “qualquer tipo de discriminação”, Pestana sugere que alguns editais sejam restritos a brasileiros (veja entrevista na página 5). É o que ocorreria, por exemplo, em concursos para selecionar professores – mas o governo agiria contra a lei que ele próprio acabou de aprovar.
Há uma única ressalva que o projeto faz: as chamadas carreiras típicas de Estado, que envolvem polícia e Ministério Público, não podem ser exercidas por estrangeiros.
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PAULO GERMANOA razão do projeto
O que levou Tarso a propor a lei:
- Tarso Genro acredita que, em determinados setores do governo, estrangeiros bem relacionados podem contribuir para a atração de investimentos internacionais no Estado, além de trazer novas visões para a administração pública.
- A Fundação Getulio Vargas, que vem prestando consultorias ao Piratini, também defende funcionários estrangeiros fomentando as relações com outros países.
- Na visão do governador, estrangeiros que escolheram o Rio Grande do Sul para viver devem sentir-se acolhidos e valorizados dentro de suas capacitações profissionais.