03/04/2009 JORNAL DO COMÉRCIO
Guillermo Grau*
Tal como a população civil de áreas em conflito se transforma na principal vítima das operações militares com objetivos políticos, os contribuintes acabam sofrendo os maiores danos em razão da guerra fiscal entre os estados da federação. O último projétil que, com precisão cirúrgica, atingiu a economia gaúcha em delicado momento de crise econômica internacional atende pelo nome de diferencial de alíquota do ICMS de mercadorias oriundas de outros estados, e foi disparado pelo governo do Estado do Rio Grande do Sul em 14 de janeiro de 2009, através do Decreto 46.137.
Ao exigir antecipadamente o pagamento do ICMS, antes da ocorrência do fato gerador do imposto, qual seja, a saída de mercadorias de estabelecimento comercial, industrial ou produtor, ele acaba por majorar o custo tributário das empresas, pois passam a arcar com o ônus do recolhimento do tributo antes mesmo de ocorrer a revenda. Assim, quanto mais longo for o ciclo operacional, maior será o custo financeiro da operação, o que será, inexoravelmente, transferido ao preço das mercadorias.
Esse dispositivo legal, além de antecipar o momento do fato gerador do imposto, em clara afronta ao princípio da reserva legal previsto no Código Tributário, institui intolerável discriminação em relação à origem das mercadorias, contrariando os termos do artigo 152 da Constituição Federal, que veda "aos estados, Distrito Federal e aos municípios estabelecer diferença tributária entre bens e serviços, de qualquer natureza, em razão de sua procedência ou destino". Por outro lado, o art. 155, § 2°, VII da Constituição Federal determina que "em relação às operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor localizado em outro estado, adotar-se-á a alíquota interestadual, quando o destinatário for contribuinte do imposto; a alíquota interna, quando o destinatário não for contribuinte dele".
Assim, ao permitir apenas a cobrança do diferencial dos consumidores, a Constituição Federal veda a cobrança dos não consumidores, no caso, dos comerciantes atacadistas e varejistas. A verdade, outra vítima da guerra, impõe reconhecer que o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que inicialmente se postou a favor dos contribuintes mas alterou seu entendimento com base na manifestação do Superior Tribunal de Justiça. Entretanto, à vista dos contornos constitucionais da discussão, a última palavra do Poder Judiciário será dada pelo Supremo Tribunal Federal que, em outras oportunidades, posicionou-se contra esta forma de inconstitucionalidade.
*Advogado da Pactum Consultoria